Luís Norton de Matos tinha pouco mais de 20 anos e jogava na Académica quando aconteceu o 25 de Abril de 1974. Na manhã da Revolução, ainda não sabia o que se estava a passar no país.
Recorda que a véspera tinha sido passada em tertúlia com colegas da equipa, num campeonato informal de “king”, o tradicional jogo de cartas.
“Ficámos acordados até tarde porque no outro dia o treino era só à tarde. De manhã não tínhamos nada para fazer e deitávamo-nos um bocadinho mais tarde, estilo duas da manhã, a jogar às cartas.”
Ao início da tarde, ao atravessar a ponte de Coimbra em direção ao campo universitário, viu aviões militares no céu e achou estranho. Só ao chegar ao treino é que se apercebeu da dimensão do momento.
“Quando cheguei ao campo toda a gente estava a falar da Revolução. E eu: ‘Mas qual revolução?’”
A notícia do golpe militar chegou-lhe pela boca dos colegas. A partir daí, começou um interesse profundo por informação e política.
“Todos os jornais esgotavam. Havia “A Capital” e o “Diário Popular”. Pediam para reservarem porque queria ler tudo. Sempre fui um ávido leitor e queria saber mais. Foi aí que começou uma tomada de consciência política que muitos não tinham em Portugal.”
Poucos anos depois, em 1978, rumou à Bélgica para representar o Standard Liège. O impacto foi imediato, sobretudo pela diferença cultural.
“Costumo dizer que passei de um mundo a preto e branco para um a cores. Em Portugal, a televisão começava às sete da tarde e acabava à meia-noite com o hino nacional. Lá, chego a casa e tenho 16 canais a cores. Era música, bandas internacionais… parecia um parolo, passava o dia a ver televisão.”
A mudança marcou-o também no futebol. O contraste com o que existia em Portugal na altura era notório.
“Eles eram mais fortes do que nós nessa altura. Hoje nós somos melhores. E senti muita diferença no treinos e em situações que aqui não se praticavam como a periodização tática.” Nessa equipa, lembra Norton de Matos, foi colega de Eric Gerets, uma das grandes figuras do futebol belga, e de um jovem guarda-redes que começava a aparecer e que acabaria por marcar o futebol mundial: “Fui colega do Michel Preud’homme. Ele era muito novo e já era muito bom.”
O futebol é o ponto de partida nestas conversas sem fronteiras ou destino agendado. Todas as semanas, sempre à quinta-feira, Luís Aguilar entra em campo com um convidado diferente. O jogo começa agora porque Ontem Já Era Tarde.