Saúde e bem-estar

Dia Mundial do Cancro do Pulmão: A luta pode começar ao largar o cigarro

No Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que se assinala todos os anos a 1 de agosto, especialistas enumeram algumas estratégias que podem ajudar a reduzir a mortalidade pela doença que mata todos os dias 12 pessoas em Portugal e que tem como principal causa o consumo de tabaco.

SIC Mulher

O cenário é "preocupante" quando se fala de cancro do pulmão. Em Portugal, morrem todos os dias 12 pessoas com esta doença. Em 2023, foi registado o número mais alto de mortes em mais de 20 anos. No Dia Mundial do Cancro do Pulmão, especialistas alertam que o diagnóstico precoce pode "salvar vidas" e que a sensibilização antitabágica é um dos "instrumentos mais eficazes" de prevenção. E apesar de um aumento de casos nos últimos anos, os médicos apontam para uma 'luz ao fundo do túnel'.

É o cancro mais frequente em todo o mundo. Em Portugal, é a principal causa de morte por doença oncológica: mata todos os dias 12 pessoas. De acordo com o Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão (GECP), há em média 14 novos diagnósticos por dia.

Nos últimos anos, tem-se verificado um "aumento preocupante" de casos de cancro do pulmão nas mulheres, uma tendência que se verifica a nível internacional, alerta António Araújo, diretor do serviço de Oncologia Médica da ULS de Santo António e professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto.

Na mesma linha, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia aponta igualmente para um cenário "preocupante". Em 2023, morreram 4.490 pessoas em Portugal com cancro do pulmão, o valor mais alto desde 2002. É uma tendência "crescente e alarmante", acrescenta o grupo de estudos.

Mas o que explica o aumento da mortalidade por cancro do pulmão?

Diagnóstico em fases já avançadas em mais de 70% dos casos: porquê?

O cancro do pulmão pode permanecer "silencioso durante muito tempo". Em mais de 70% dos casos, o diagnóstico é feito em fases já avançadas da doença. Para isto contribui o facto de os sintomas iniciais serem "inespecíficos" - tosse, cansaço ou dor torácica - e "muitas vezes" confundidos com doenças benignas, especialmente em fumadores crónicos, explica o diretor do serviço de Oncologia Médica da ULS de Santo António.

Este tipo de cancro provoca também tosse irritativa e persistente, hemorragia pela boca de sangue vivo ou escarro escuro, dor torácica, no ombro e braço, dificuldade respiratória, pieira ou chiadeira no peito, alteração da voz, dificuldade em engolir, fadiga, perda de apetite, emagrecimento, dor óssea, complementa o Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão num texto informativo.

De acordo com António Araújo, a falta de rastreio e a baixa literacia em saúde contribuem também para que muitos doentes só procurem ajuda médica quando os sintomas são já incapacitantes.

O diagnóstico tardio é um dos fatores que mais influencia a mortalidade elevada por cancro do pulmão. Mas acresce a isso o envelhecimento da população e, sobretudo, o consumo de tabaco, que é responsável por cerca de 85% dos casos.

Qual a relação entre o cancro e o tabaco?

A relação entre o tabaco e o cancro do pulmão é "direta", diz o professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Cerca de 80-85% dos casos da doença estão associados "diretamente" ao consumo de tabaco ou à sua exposição.

Segundo o GECP, o aumento da prevalência do tabagismo entre as mulheres e o início "cada vez mais precoce" do consumo explicam, em parte, o crescimento alarmante da mortalidade feminina por cancro do pulmão nos últimos anos.

"Esta realidade torna a prevenção absolutamente crucial."

Em entrevista à SIC Notícias, o médico da ULS de Santo António explica que o fumo do tabaco contém "mais de 70 substâncias comprovadamente cancerígenas", que provocam" alterações genéticas nas células do epitélio pulmonar".

"Quanto mais cedo se começa a fumar, quanto mais tempo se mantém o hábito e quanto maior for o consumo, mais elevado é o risco. No entanto, deixar de fumar tem benefícios reais e imediatos, mesmo após décadas de consumo", destaca António Araújo.

O GECP diz mesmo que "somente com a eliminação do tabagismo" é que os casos de cancro do pulmão podem ser reduzidos.

Como se pode reduzir a mortalidade?

A redução da mortalidade passa por "três pilares fundamentais", explica o diretor do serviço de Oncologia Médica da ULS de Santo António em entrevista à SIC Notícias:

  • Prevenção;
  • Diagnóstico precoce;
  • Acesso a tratamentos inovadores, como a imunoterapia e as terapias dirigidas.

A prevenção deve ser feita com foco no combate ao tabagismo e o diagnóstico precoce através de programas organizados de rastreio.

"O que tem falhado em Portugal, até agora, é a ausência de um projeto de aumento da literacia sobre este assunto, particularmente a nível das escolas, e um programa nacional de rastreio estruturado, como já acontece noutros tipos de cancro. Também é essencial garantir equidade no acesso aos cuidados de saúde diferenciados em todo o território nacional", enumera o especialista.

No mesmo sentido, Daniela Madama e Joana Catarata, médicas pneumologistas e membros da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, defendem que o fundamental que o cancro do pulmão seja detetado cedo, uma vez que o "diagnóstico precoce salva vidas". É também importante "tratar o melhor e mais rápido possível e apostar na prevenção".

Por outro lado, dado ao elevado número de casos cancro do pulmão associados ao tabaco, a sensibilização antitabágica é, de acordo com António Araújo, "um dos instrumentos mais eficazes" na prevenção da doença. Como? Reduzindo o número de fumadores através de campanhas de sensibilização, aumento de impostos sobre o tabaco, proibição de venda de tabaco a menores, proibição de fumar em espaços públicos e disponibilização de apoio à cessação tabágica.

"Investir na prevenção e na educação para a saúde é investir em mais anos de vida com qualidade", salienta o professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

A implementação de campanhas "intensivas" de prevenção e cessação tabágica é igualmente defendida pelas pneumologistas Daniela Madama e Joana Catarata.

"Especialmente nos jovens, é indispensável a adoção conjunta de medidas educativas (integrar conteúdos obrigatórios nas escolas, promover ações educativas também fora da escola, junto das famílias, associações juvenis, empresas), regulamentações jurídicas, aumentos de preços, zonas livres de fumo e envolvimento das comunidades, bem como reativar e financiar adequadamente o Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo (PNPCT), com objetivos definidos e avaliação contínua. O sucesso exige um esforço coordenado entre políticas públicas robustas, educação formal, sensibilização social e intervenção clínica. Com isso, Portugal poderia proteger a saúde pulmonar das futuras gerações.

As médicas defendem também a formação de profissionais de saúde, sobretudo de médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar, para a "identificação precoce" de sintomas.

Em comunicado, consideram ainda importante a implementação "urgente e estruturada" de rastreio por tomografia computorizada (TC) de baixa dose em grupos de risco e a monitorização das principais exposições ambientais de risco.

"Progressos notáveis" com tratamentos "mais eficazes e menos agressivos"

O Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão refere que, apesar dos números "alarmantes" e "sem descurar a urgência de reforçar a prevenção e diagnóstico precoce", os avanços nos tratamentos estão a mudar "de forma significativa" o percurso de muitos doentes. Neste sentido, os especialistas dizem "haver motivos para acreditar" que se transformará numa doença crónica.

Nos últimos anos, a medicina de precisão "evoluiu de forma notável", oferecendo várias opções de tratamento mais eficazes. As terapias alvo e a imunoterapia são as principais abordagens atuais.

A medicina de precisão oferece terapêuticas "mais eficazes, menos agressivas e melhor toleradas", que permitem a muitos doentes "viver mais tempo e com melhor qualidade de vida", destaca Daniela Madama, membro da Comissão Científica do GECP.

Avanço de dois projetos-piloto

Os especialistas referem o avanço de dois projetos-piloto de rastreio de cancro do pulmão este ano, que foram anunciados pela Secretária de Estado da Saúde sem avançar quando irão ter início.

Apesar de "pouco se saber" sobre os detalhes dos projetos, António Araújo adianta que os projetos visam implementar rastreios com recurso a TAC de baixa dose de radiação em grupos de risco, sobretudo fumadores ou ex-fumadores com mais de 50 anos.

"O objetivo é avaliar a viabilidade o impacto do rastreio antes de uma eventual implementação a nível nacional."

Para o GECP, a decisão foi recebida com "enorme satisfação e esperança". um passo fundamental para que possamos detetar a doença mais cedo, quando as hipóteses de tratamento eficaz e de cura são muito maiores."

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