Saúde e bem-estar

“Só posso ser má mãe, não gosto de estar grávida” - Vamos falar sobre isso

Exigir das mulheres felicidade plena e absoluta numa fase tão conturbada como é a gravidez é um encontrão na saúde mental materna. Essa expectativa exerce uma pressão esmagadora, que impede a mulher de manifestar livremente tudo aquilo que está a sentir, aumentando o risco de desenvolver um transtorno de ansiedade na gravidez ou até mesmo depressão.

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SIC

A gravidez é uma fase de várias transformações, não só físicas, mas também psicológicas e emocionais. À medida que o corpo se adapta ao crescimento do bebé, diversas questões internas vão emergindo. A mulher depara-se com uma nova imagem de si, debate-se com uma autoimagem que pode ou não ser do seu agrado, tem de se adaptar a mudanças no corpo sem saber ao certo o que vai acontecer e como ele irá reagir. Confronta-se com sintomas indesejáveis e desconfortáveis, como náuseas e vómitos, dores, insónias, azia, obstipação, cansaço, a lista é grande. Mas não fica por aqui, a mulher vive imersa em dúvidas sobre o que a espera e lida diariamente com o medo de que aconteça alguma coisa ao seu bebé e pior, que a culpa seja sua.



A gravidez é um desafio à saúde mental da mulher


Exigir das mulheres felicidade plena e absoluta numa fase tão conturbada como é a gravidez é um encontrão na saúde mental materna. Essa expectativa exerce uma pressão esmagadora, que impede a mulher de manifestar livremente tudo aquilo que está a sentir, aumentando o risco de desenvolver um transtorno de ansiedade na gravidez ou até mesmo depressão.

A experiência da gravidez é única. Este processo expõe, para lá do imaginável, a própria história da mulher, nas suas forças e fragilidades, nos seus momentos mais marcantes e naqueles que estão apenas guardados no seu inconsciente. Tudo isto conduz cada mulher por uma experiência que é só sua e vivida à sua própria maneira, não cabendo por isso numa idealização da gravidez construída, não desde a experiência da mulher, mas desde meras suposições de como a mulher a deveria viver.

Partir do princípio que todas as mulheres se devem sentir bem nesta fase, é desconsiderar tudo o que nos torna humanos, a nossa capacidade de sentir.



Não gostar de estar grávida não implica não amar o bebé


O primeiro desafio da mulher na gravidez é aceitar sem culpa o que está a sentir sobre si mesma. A gravidez pode ter sido desejada e planeada e ainda assim, quando é vivida, não corresponder ao que se imaginou. Seja por vergonha, seja pela ilusão de não se sentirem no direito de o fazer, muitas mulheres calam a única verdade que estão a sentir, “isto é horrível”.

Contudo, há uma linha muito fina entre reconhecer o que a gravidez está a causar e atribuir, de forma inconsciente, essa culpa ao bebé: “estás-me a fazer isto”.

É importante lembrar que o vínculo com o bebé começa a ser tecido ainda durante a gravidez. Por isso, é essencial cuidar dos pensamentos que transformam o bebé numa espécie de “mau da fita”, para que se possa preservar este início de vínculo o mais saudável possível. A gravidez é um processo biológico incontrolável, que traz inevitavelmente alguns desconfortos, o que esses desconfortos causam, pode e deve ser expressado, mas sem culpados.

Não amar a gravidez, em nada implica não amar o bebé. Amar o bebé não obriga a amar a gravidez. Não é o que se sente pela gravidez que define o que se sente pelo bebé e também não é este o ponto de partida para uma “boa” ou “má” mãe. É sempre fácil alcançar o desejado sentimento de se sentir uma “boa mãe” quando tudo corre bem. Quando há desafios, é-se inundada por frustração, pela certeza quase inegável que se está a falhar em tudo e por um pensamento que pode vir a definir um papel de mãe que não é real “só posso ser má mãe, não gosto de estar grávida”.

A verdade é que não é preciso amar a gravidez para se amar profundamente o bebé. E dar-se espaço para sentir tudo o que vier é, também, um ato de amor.


Susana Magalhães Patrício, enfermeira especialista em saúde mental, com especialização em saúde mental materna e vínculo precoce


Nota importante: Este conteúdo é de carácter meramente informativo e baseia-se em experiência profissional, bem como em conhecimento científico. Não tem a intenção de substituir uma avaliação individualizada por parte de um profissional de saúde.

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