Quando uma mulher está grávida ou prestes a receber o segundo filho, vive uma experiência emocional diferente daquela que teve com o primeiro. Com o primeiro filho, a incerteza vinha do não saber como seria ser mãe. Com o segundo filho, a incerteza vem do saber de antemão o quão exigente um bebé pode ser em termos de tempo, energia, disponibilidade física, mental e emocional.
É essa consciência que alimenta uma angústia que dói. A mãe já sabe que o recém-nascido vai precisar de colo, presença e cuidados constantes, vão haver noites mal dormidas, mas há outro filho que continua a precisar da sua presença e atenção. O esforço da mãe e pai serão naturalmente maiores, porque haverão mais exigências e responsabilidades, mas na mãe persiste o sentimento que está a falhar, tendo dificuldade de se valorizar a si mesma pelo tanto que está a conseguir.
O medo de falhar com o bebé
Surge da ideia de que o bebé tem de ter a mesma dedicação absoluta que o primeiro recebeu. Essa vontade parte de um ponto considerado de justiça, mas quando existe uma nova realidade, o conceito de justiça desaparece, não pode ser aplicado se as condições são diferentes. Este é o primeiro passo: aceitar que é uma nova realidade onde se faz o possível. A ideia de fazer o que é possível ajuda a libertar a culpa. Não esqueçamos que no pós-parto o corpo da mulher está em recuperação e o psicológico em reestruturação. Fazer o possível é não ir além de limites que possam comprometer a saúde física, emocional e mental.
Do ponto de vista da vinculação, não é a exclusividade que garante o vínculo seguro, mas sim o bebé sentir que as suas necessidades de amor, segurança e proteção são satisfeitas.
O que fazer?
- Aceitar que é normal sentir medo e dúvida nesta fase, sem se julgar por isso.
- Dedicar tempo exclusivo a cada filho, sem culpa
- Fazer o possível, respeitando os seus próprios limites
- Recordar que, tal como no primeiro filho, muitas respostas só chegam com a experiência.
- Partilhar sentimentos com o parceiro, familiares ou profissionais de saúde, em vez de carregar tudo sozinha.
Mudanças no comportamento do filho mais velho não são sinal que está a falhar
Acima de tudo, a criança vai procurar confirmações de que ainda é amada. É óbvio para os pais que sim, é difícil para crianças com imaturidade emocional e pouca capacidade de entendimento perceber que a chegada de um irmão não vai interferir nesse amor. Todas as crianças buscam o mesmo, sentirem-se amadas, seguras e protegidas, quando ainda não há sequer a percepção do que é um irmão, um bebé é considerado uma ameaça a tudo isso, não deixa de ser um estranho até deixar de o ser.
Podem acontecer regressões no comportamento (como voltar a pedir a chucha, querer dormir no quarto dos pais ou pedir colo com mais frequência). É uma fase de adaptação, tal como está a ser para os pais. Conhecer a origem de mudanças de comportamento ajuda a entender que não são resultado de falhas, mas de um processo da própria criança que precisa que mãe e pai lhe garantam que o seu lugar é único e que não está esquecida.
Estratégias para apoiar a transição
- Envolver o filho mais velho em pequenas tarefas, adequadas à idade, como ajudar a trazer a fralda, escolher a roupa ou cantar uma canção para o bebé. Isso reforça a ideia de pertença e importância.
- Validar emoções: reconhecer tristeza ou a zanga como sentimentos normais. Não negar nem minimizar.
- Manter rotinas: preservar hábitos do filho mais velho sempre que possível, garantindo previsibilidade e segurança.
- Atenção exclusiva: reservar momentos, em que a mãe ou o pai estão apenas com o filho mais velho.
- Explicar mudanças: ajudar o filho a compreender porque o bebé precisa de certos cuidados
A mãe sabe melhor do que nunca o que exige cuidar de um bebé e teme não conseguir dividir-se. A ideia cultural de que a “boa mãe” deve estar plenamente disponível para todos os filhos é uma expectativa irrealista que aumenta a ansiedade e alimenta a culpa. Aceitar a impossibilidade da perfeição, em que não se pode estar disponível em 100% do tempo para ambos e isso não compromete o amor nem o vínculo é o primeiro passo para maternar com mais paz.
Susana Magalhães Patrício, enfermeira especialista em saúde mental, com especialização em saúde mental materna e vínculo precoce
Nota importante: Este conteúdo é de carácter meramente informativo e baseia-se em experiência profissional, bem como em conhecimento científico. Não tem a intenção de substituir uma avaliação individualizada por parte de um profissional de saúde.